terça-feira, 21 de julho de 2009

PRA SABER MINHA IDADE, SÓ COM TESTE DE CARBONO C-14.

Olha, se alguma felizarda agência quiser os préstimos de um profissional de criação e redator com muita, mas MUUUUITA experiência mesmo, tá aqui um. Nem me lembro mais quando nasci. Com certeza, há bem mais tempo do que os 10.000 anos do Raul Seixas, e o meu surgimento só pode ser datado com precisão pelo teste com Carbono C-14, pelo Departamento de Arqueologia da USP, que detecta as eras geológicas às quais os fósseis pertencem. Nasci no Período Pré-Cambriano, quando não tinha nem os dinossauros. Sou Pré- Mick Jagger e Keith Richards! Um fóssil vivo, como um Alligator da Flórida ou um Dragão de Komodo da Indonésia. E assim fui acompanhando a evolução da fauna e da flora do planeta, das espécies, do clima.

Rango, só frutas, raízes e uma perninha de javali de vez em quando. Me lembro que nessa época vieram uns diretores de arte esquisitos, meio barbudos, mas que faziam belíssimos layouts nas cavernas (as agências na época). Desenhavam com perfeição bisões, alces, gente dançando, e até fazendo sexo grupal!!!!! E cliente, se pegava com borduna!

Aí eu comecei a redigir uns textos, a princípio com a escrita cuneiforme dos sumérios, depois com os hieróglifos egípcios. Cara, como tinha job naquela época! A gente trabalhava como um camelo, sempre entrava areia no negócio, mas tinha lá suas compensações: os salários, por exemplo, eram faraônicos, pra compensar a falta de talento de um monte de múmias paralíticas que estavam na profissão por contingência, apenas. Poderiam ser o que hoje equivaleria a donos de pet shops, postos de gasolina, fábrica de edulcorantes para doces ou loja de equipamentos de proteção industrial.

Mais pra frente, pra compreender melhor o mundo, estudei Filosofia com um tal de Sócrates, que, tadinho, acabou se suicidando tomando sicuta. E aprendi muito também com outro tiozinho, como era mesmo o nome dele? Ari... Aristóteles! Isso!

E assim, escrevi um monte de coisas bonitas, aprendi a dialética, os sofismas, a lógica, a ontologia e outros nomes difíceis que só os filósofos entendem. Duvidam? Tem um texto de Kant, cujo título é, pasmem: "PROLEGÔMENOS ANTE QUALQUER TENTATIVA DE DIALÉTICA FUTURA! Depois, fui escrevendo cartas para reis. Enchia o saco escrever tanta carta pra reis, aquela coisa toda de botar selinho com cera quente, que queimava as mãos, sempre! E na Idade Média, não tinha jeito: se o neguinho era redator e queria trampar em agência, só poderia ser na Casa do Vaticano. E quem aprovava tudo era o Papa. Não adiantava se queixar pro bispo. Mandar o dono da agência pro inferno, nem pensar! Era Inquisição na certa, inclusive com torturas hediondas como ouvir Pagode, Axé Music, Funk de Morro ou Dancinha do Quadrado no último volume. Mas o pior era mesmo ter que mudar alguns trechos da Bíblia e outros escritos, por exigência dos clientes, fora a Censura, que era pior do que nos tempos da Ditadura Militar. Galileu que o diga. E se fosse mulher e fizesse algum chá que fosse um pouquinho fora dos padrões da época, já era. Todo mundo chamava de Bruxa e o destino era morrer queimada na fogueira, como a coitada da Joanna D'Arc.

Ser redator na Idade Média era como você ter um cliente que manipulasse completamente teu texto e tua criação, desvirtuando-os do caminho original. Mas aí vieram o Humanismo, as luzes. E com eles, o descobrimento de novas formas de pensar, novos desafios. Eu fui seduzido nesta época, pelo bom português, para acompanhar as Caravelas até um lugar chamado Brasil. E não tinha opção. Se quisesse trampo, ou era Brasil, ou tinha que ir pra África, enfrentar o Nizan Guanaes.

Claro que escolhi o Brasil.

Cara, não era um voozinho de 6, 7 horas, não. Eram meses e meses! Aquelas caravelas no mar, enjôo direto, neguinho bêbado cantando insuportáveis e melosos fados, quase não havia mulher, e as poucas que tinham eram com bigode!!!! O povo não tomava banho, uma loucura! Mesmo assim, escrevi um texto bem legal, uma carta, que depois o meu diretor de criação assumiu como autoria dele (um tal de Pero Vaz de Caminha). Lá na agência do Brasil, era tudo diferente. Tinha umas índias bonitinhas, bem bronzeadinhas, praias maravilhosas. Todo mundo queria Leão, apesar de só ter onça. E em fevereiro, não se pensava em outra coisa senão o Carnaval, que foi criado para alegrar a galera, fazer o povo esquecer a opressão da Coroa Portuguesa e gerar emprego para redatores como eu criarem os temas, e pros diretores de arte, fazerem os adereços, as fantasias etc. Hoje, muito tempo se passou. Vi a mudança da prancheta, do rough a lápis, do scratch-board, das manchas de layout com guache Winsor & Newton e pincéis de pelo de marta, para a radical transformação com os computadores, as workstations, o universo virtual. Muita coisa mudou. Mas um detalhe continua o mesmo, em meu íntimo: o entusiasmo pela profissão. E confesso que, apesar de me considerar com muito orgulho uma espécie de Matusalém da Propaganda, ainda estou tão antenado quanto os mais jovens das tribos de vanguarda por aí. A única coisa que atesta minha hiperlongevidade é quando eu comento alguns seriados com a moçada "Pós-Lost" nas agências. Eles me olham com expressão atônita, quando comento sobre Ivanhoé - o Cavaleiro Destemido, Flash Gordon, Bat Masterson, Túnel do Tempo, Perdidos no Espaço, Viagem ao Fundo do Mar, National Kid contra os Incas Venusianos, Vigilante Rodoviário, Rin-Tim-Tim, Autorama, Forte Apache.

É... acho que não tenho idade. Tenho eras vividas. E qualquer oitentona pra mim é gatinha.

Caio Teixeira é redator, escritor e também já atuou como diretor de criação em várias agências em 30 anos de carreira, atendendo a todo tipo de job, desde anúncio de cachorro perdido até grandes campanhas, algumas adaptadas para toda a América Latina. Hoje, procura unir esta experiência com a ousadia do novo, e ainda se sente como se tivesse 15 anos, fugindo de bingos, víspora, bocha, quermesses e praças públicas como o diabo foge da cruz. http://teixeiracaio.sites.uol.com.br

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